O retrato usual que compomos do preconceituoso é o do sujeito que persegue e agride homossexual. Que desfere ofensas contra negros. Ou que acusa de indigno quem segue uma religião que não a sua. Mas o preconceito não existe só assim, tão explícito.
Ações e posturas recorrentes que revelam outra modalidade de discriminação: é uma forma sutil, manifestada muitas vezes sem que nos demos conta. É possível, sim, ser preconceituoso e nem saber.
Em tese, ninguém quer olhar no espelho e encontrar uma imagem censurável de si. As pessoas, portanto – ou ao menos a maioria delas, relutam em assumir preconceitos. Sobretudo em tempos de politicamente correto. Mas não deixam de rir quando escutam uma piada que faz chacota de determinado grupo, Eis, aí, esta que talvez seja a fonte mais comum do preconceito que passa despercebido, a situação (supostamente) de humor.
Não se trata de dizer que se deve ou não rir da piada. Mas, com o riso, estamos identificando um estereótipo e concordando com ele. Costumamos ter uma noção generalizada, pronta, sobre alguma classe, de modo que não enxergamos particularidades. O efeito: o indivíduo adota uma “verdade” como se fosse dele e não entende que ela é produção coletiva. Um preconceito interno, uma atitude psicológica individual, mas que decorre de estereótipos socialmente compartilhados.
Seríamos, então, menos tolerantes do que julgamos ser? No entendimento de especialistas no tema, sim. Umas das diferenciações estabelecidas por estudiosos, o preconceito flagrante versus o preconceito sutil. As denominações dizem tudo, e o segundo é precisamente aquele que tantas vezes cometemos sem ser “de caso pensado”. “Surge até de maneira involuntária, na brincadeira, no excesso de zelo”. O excesso de zelo é verificável com frequência no tratamento dispensado a portadores de deficiência. Mas tal confusão de sentidos surge como decorrência de uma vontade de superproteger, de acolher bem. Inapropriadamente bem: no limite, o exagero é sintoma da impressão de que o outro é menos capaz, a despeito do componente inconsciente, automático, irrefletido da atitude discriminatória.
Sem tolerância à diversidade o próprio exercício da democracia está comprometido. Com a ressalva de que o estabelecimento de relações igualitárias não significa a abolição das diferenças. Estas necessitam ser respeitadas não anuladas. Quando a gente pensa em democracia, a gente pensa em governo, voto. Claro que é importante, mas as questões da democracia passam por estabelecer a democracia em cada lugar. Escola, a família, relações na vizinhança. Isso passa por enfrentar e superar preconceitos de toda ordem.
A existência de pensamentos conservadores, de padrões, resulta em condutas preconceituosas, mesmo que não ostensivas. Vivemos uma contradição facilmente identificável: a sociedade cultua o individualismo, a singularidade, desde que não se saia do estabelecido. Apesar de esse preconceito discreto, e cotidiano, ter consequências menos graves (de imediato), ele se faz da mesma matéria do preconceito mais visível, violento.
Há outros muitos modos de se expressar a modalidade sutil e velada de discriminação. Desde ofensas dirigidas no trânsito – “tinha de ser mulher!”; “só podia ser um velho!” – a exigência de fotografias em currículos e opções na hora de adotar um filho.
Não se pode imaginar alguém que esteja livre de exercer, em absoluto, toda e qualquer espécie de preconceito, alguém que não tenha suas discriminações. Por sutil que elas sejam, porém, é recomendável a reflexão acerca de causas e desdobramentos. Eles se abatem tanto sobre a “vítima” (que vê reforçada sua adequação a um estereótipo nocivo) quanto sobre o “autor” (que tem limitada sua formação, na medida em que se mostra refratário ao entendimento e ao convívio com diferenças).Por trás do riso, se ele ocorrer, está o reforço de um estereótipo: a sutileza não elimina o preconceito.
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